domingo, 1 de dezembro de 2013

Incongruente

dizer que os meus segredos
(mais que absurdos)
guarda
o meu fiel criado-mudo
seria tão clichê
quanto mentir um arranhado
som agudo
que sai de uma vitrola
imaginária
só pra me convencer
de que essa solitude
é tudo
que eu não quero ter
(de ouvir)
da boca dessa noite
tão dissimulada,
em que se me rumina
o que eu nem sei
... cansada.

é minha mão
(`)a qual não cala 
a solidão
doce ou selvagem
das palavras.
é o murmúrio de meu grito,
preso,
que me enfada às trevas
do porvir 
- luzir incógnito -
onde meu peito
vela a ilusão do tempo-espaço,
enquanto eu
pedaço
lasso
me re-desfaço
... porque renasço.



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Consciência (d)e Cor(po) afrodescendente


(...)

Tal qual Machado de Assis (sempre tão ilustre) delata em seu conto Pai contra Mãe, afirmando que “(...) a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel”, assim o fizera a corte (o krátos).

Enquanto sinhazinhas, hierarquicamente, belas e castas eram protegidas em suas alcovas imaculadas, nhonhôs manifestavam livremente sua libido sobre as negras (e também negros, quem o dirá?). Essa licenciosidade era abstida sobre as brancas, pois elas eram reservadas à reprodução, como também – escusando a ironia – à punição das escravas, que “se deitavam” com seus maridos, ora.

Os status foram, desse modo, se delineando ao longo dos anos e o ideário de dominação-subordinação alicerçou a problemática das subjetividades femininas. Tal ambivalência trouxe-nos, mais tarde - quando a colônia foi-se tornando uma nação - um grande obstáculo no caminho do reconhecimento legal de uma heterogeneidade étnica, sem o privilégio ou a predominância branca. 

Ao refletirmos acerca disso, podemos concluir que, através do esforço por essa assunção das miscigenações, o preconceito contra pobres se materializou sobre os negros (e negras), em forma de rebaixamento social, uma vez que sua origem era assimilada por uma visão eurocêntrica – afinal, o negro trazia na pele o “gene inferior”; que, contudo, sobrevivia a todo padecimento e que devia incorporar os hábitos e língua não-familiares, por bem ou mal, enfim. O término da escravidão representou, então, uma preocupação elitista; nesse sentido, a assimilação do conceito de igualdade foi – e ainda é – um processo lento e custoso.

Apesar de, é inegável que reconhecimentos importantes foram conquistados; que nossa evolução ontogênica continua em ascendência, o que, de fato, se deve muito mais a experiências nas buscas por novas posições hierárquicas na pirâmide da vida (social), do que à permissão dada para isso. 

(...)

A queda dos estereótipos não é algo totalmente efetivado, todavia as condições formam, hoje, um novo cenário público no país. A própria assunção do Governo no que tange à tentativa de nos compensar os danos causados pelo legado escravocrata; a implementação de estudos de origem africana nas escolas e universidades que se faz presente; a fomentação das indústrias no mercado de cosméticos voltados à mulher negra, em variedades de oferta; a exploração da beleza dessa mulher, nas telas de cinema, TV e outdoors; a valorização da “afroarte” – tanto no aspecto musical (em que se destacam nomes como Sandra de Sá, Paula Lima, Elza Soares), quanto no literário (como Elisa Lucinda, Conceição Evaristo) etc.

Tudo isso se apresenta na cultura nacional como elementos de nossa inserção em outro tipo de memória do país, agora, um pouco além de personagens como Bertoleza (a submissa) e Rita Baiana (a sensual) d’O Cortiço, de Aluísio Azevedo.

(...)

Ficam as esperanças de que a construção de uma unidade e consciência (para além de todos os 20 de novembro)  represente a prosperidade de uma nação - mundo! - sem ambiguidades sociais ou raciais e a de que a dignidade nos vista e proteja, em nossa imensa finitude coletiva e humana.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Mississipi em alto-mar

Não era sonho
Era realidade americana:
Sequestrado o Capitão Phillips,
Do imenso Maersk Alabama,
Por uma quadra de piratas somalis.
"We're just fishermen..."
Dizia em parco english
Armado e, a olhos visto, esfomeado
O novo capitão
Da naviarra - não negreira?

Vinham pescar sobrevivência.
Havia metas além-mar
Havia terra e miséria
Em alto mar, nos pés descalços
E enruçados.
Mas haveria esquadrões
Força-tarefa
Supremacia técnica, genuinamente
Estadunidenses.

Mortes insignificantes...
O heroísmo e o vilanismo
Como água e sal.
E não se saberá jamais
Das lágrimas
Sem peixe para se temperar...

Cena de "Capitão Phillips" (2013).

domingo, 27 de outubro de 2013

Por que

Cecília canta
Porque o instante existe
Canto eu
Porque sou inconstante;

Drummond verseja
Porque nascera gauche
Versejo eu
Porque não sei quem sou;

Clarice escreve
Porque não sabe o peso da luz
Escrevo eu
Porque percorro o escuro;

Pessoa finge
Porque um Poeta
Me finjo
Porque isso é meta...

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Chiaroscuro

De onde eu fico
Na incerteza do clarão
Não há nada definido;

Sob o sol reluz
Alguma via em desalinho
Por onde eu vou;

A luz é, ora, fraca
E ora deveras forte
- Semáforo delicado de vida;

Qual água e óleo
Razão e Dúvida coexistem
Em minha instabilidade...

sábado, 31 de agosto de 2013

Poeminha ontológico [a quatro mãos]




(Não) Olhe o tempo:
Nele se emprega
Muito mais do que se vê.
Se a imaginação é cega
Que se tateie o pensamento...

Pois que viver é longo
E, de tombo em tombo,
Se aprende a andar
E a morrer.




*poema-diálogo, com Marcia Linda Tiburi.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Depois



No centro da mesa
Torta
Pende a natureza
Morta;

E nessas paredes
Escuras
Já não mais o verde
Madura;

No portarretrato
Uma foto
Não traz o passado:
Desboto.

Teus olhos me olham
De esguelha
Ausência me molha -
Vermelha;

Enquanto ponteiros
Se invertem
Na cama, esteiro,
Sinerge

E escorre minh'alma
Vazia
Da vida que espalma,
Esfria...

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Sem mais

Não quero o chão
Nem nuvens;
Não quero superfície
Ou profundezas.

Não quero mais
Nenhum [em] vão
No vago fim
Do infinito de nós dois
                          [ou mim]...



sexta-feira, 14 de junho de 2013

Morfossintaxe-me


A minha língua é sem coordenação:
Tal modo subordina-se à tua.
Em minhas orações
(que rezo aos terços no meu quarto)
Tu, substantivo próprio;
Tu, complemento de minha saudade,
Te fazes direto objeto
De meu odiar:
Enquanto à meia voz
Passiva
Não me respondes aos vocativos
Que oferto, a clamar...

Nesses períodos,
Compostos por intransitividades tuas,
Reduzida,eu
Te adjunto em pensamento
Ou te advérbio no meu peito
Para que tu sintaxe - e permaneças -
Em meu mais íntimo e descomposto
Núcleo do sujeito.


segunda-feira, 27 de maio de 2013

dédalo



mirando o tempo
contemplo a vida
- em números, retratos, vãos -
cheia de (d)anos
e ambiguidades.


há gentes que vêm
há gentes que vão;
uns sob panos
outros sem máscaras
ou vaidades...


nas curvas de minha (c)idade
carrego o meu olhar
perplexo
ávido
inútil...

e a vida -
este labirinto íntimo
de sons
e sonhos
e assombrações.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Inexorável

Não há razão para o Poema:
Escrever é rabiscar
No agora
O que não cabe
No amanhã;

É observar o risco
De uma estrela cadente
Na textura celeste,
De onde despenca, a cada instante,
Uma nova hora e era.

Porque no Tempo somente,
Este profundo e inacabado Caos,
Nasce, inesperadamente, a essência
Incompreensível
Da eternidade...



segunda-feira, 22 de abril de 2013

Pormenor



Quando eu velha for,
Os meus versos de dor
Não caberão à realidade
De mi'a curta mocidade

E as muitas páginas vazias
De mi'as remotas alegrias
Serão, no silêncio adormecido,
Sonhos que não foram lidos...

E esse meu estranho jeito
Ensinar-me-á ao peito
Que a saudade, sim, é triste

E que ela hoje não me existe;
Lá, eu sentirei - quieta -
Da que não que havia, mas me fez poeta.


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Brasil




Tanta seca para pouca chuva  
Tanta vaca para pouco mato 
Tanto pé para pouca uva 
Tanta rã para pouco sapo 
Tanto frio para pouco casaco 
Tanta gente para pouco espaço 
Tanto chão para pouco vassalo 
Tanto reino para pouco palhaço 
Tanta boca para pouco prato 
Tanta merda para pouco vaso 
Tanto drama para pouco caso 
Tanto azo pro porco Estado!

sexta-feira, 22 de março de 2013

Livro-me


Abro tuas entranhas
Saltam palavras desobrigadas
- Enredo de estranhas larvas -
Com que me alimento.
Aos poucos, borboletas [no estômago]
Levantam voos
Que, em meu pensamento,
Desenham horizontes infinitos
Com a beleza de seus movimentos
Para sempre, ali, inscritos...

segunda-feira, 11 de março de 2013

Liquefazer


Amo
A colisão inevitável
Dessas carnes
Nossas.
Reviradas, sucumbidas...
Amo
O arroubo ardente
Me embalando
Na extensão
Da tua vontade
Que vai fundo
Em mim.

Movimento-me 
Fervilho 
Estremeço... 
Beijo-te 
Consumo-te
Arremeto-te 
E me arremesso 
Nesse abismo de desejo 
Em que 
Te desembrulho 
Engolindo todo
Todo... 
O (meu) orgulho.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

esse não saber


nem um anjo 
veio me dizer: vá ser gauche 
também você!
talvez, porque tão cética;
talvez, tão amadora...

hei eu, pois, de seguir
a torto, a cego e a esmo
neste vago e real sonho
nas vielas da poesia
lado a lado a meus demônios.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Leve(dure)za


Há muitas pedras
No meio do caminho 
Da vida, que é dura 
– de tanto bater, se fura. 

Neste ofício de poeta, 
Fosse eu um rio, 
Mudaria o (per)curso, 
Fecundaria outro chão. 

Mas minha pena se esvai, 
Já não percorre 
(Ou escorre) versos: 
Com o vento, voa; vai...

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

[ex]flor-ação


jogarei sementes 
quando o sol raiar; 
pra colher pétalas cadentes
no meu jardim - lu[n]ar.