sábado, 24 de abril de 2010

do poder das águas*

porque eu queria falar do Amor, mas as palavras...



minha força vem das pedras.
todavia, não sou dura:
(a vida o é;
tanto bate até que fura!)
tenho músculos de trepadeiras
– cipós frágeis –
em meu tronco;
reles flores se me brotam,
vez ou outra,
e há mil ninhos em meu cerne.

se me nascem, ora, pensamentos-praga, sim;
glebas em minha visão;
e projeto sombras sobre mim...

quando chove, destas mãos,
porém,
– pequenos galhos –
se rebentam éclogas
com que o pensamento se figura,
entre água, folhas
sobre os meus canteiros secos,
como abstrata pintura.



“Ao escrever não posso fabricar como na pintura, quando fabrico artesanalmente uma cor. Mas estou tentando escrever-te com o corpo todo, enviando uma seta que se finca no ponto tenro e nevrálgico da palavra.”

C. Lispector, em Água Viva

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Aos que leem, aos que não leem, aos que não me compreendem/aceitam, mas a todos que me foram e são

Com toda dificuldade de transcrição...


Por muitos anos, quis que as pessoas fossem para sempre [bobagem: somos todos efêmeros?]... Para sempre na vida, aquelas que entraram nela. Não no sentido de permanecerem na lembrança, porque todas permanecem, até as que se vão. Mas no sentido de Verdade – se é que o termo filosófico distingue bem isto – porque e como aquilo que transforma... Quando o zelo é natural e presente entre elas; quando suas piadas bestas nunca perdem a graça; quando a máxima ”eu te amo” não se torna gasta ou banal ou meramente um propulsor para um “eu também”, mas um modo sincero e carinhoso de revelar: você significa muito para mim; minha vida é mais colorida e valiosa com você; há uma parte sua em mim, que ainda que eu não saiba dizer o que é exatamente, ou desconheça tanto ainda sobre sua pessoa, me traz a certeza (ou a sensação, que é o que vale) de que sou bem mais completa! E que, apesar disso, sempre haverá espaço para um pouco mais de você e de outras pessoas que ainda virão.

Por isso, uma escolha que fiz (a qual não ouso afirmar ser a melhor: cada um é cada um) é a de que (uma que já disse por aqui), apesar de saber que o “pra sempre, sempre acaba” (e o quanto isso doa – ser humano é isso, afinal!), tudo aquilo que um dia chegou, brotou, desenvolveu, modificou... me fez ser esse alguém melhor e não é, definitivamente, o melhor do que alguém, mas o melhor do que eu mesma o fui outrora. Dessa forma, embora com toda a saudade que lateje (e ainda bem que sim; isto significa que algo/alguém houve e a causou), compreendo a minha limitação – dentro da qual tudo, de bom e de ruim, acontece – como, paradoxalmente, aquilo que tenho de inesgotável: o vivido (ou vívido) sentimento. Porque isto, sim, nunca acaba e é, pois, a única coisa que me salva quando tudo o mais termina.

Que isto não seja, de maneira alguma, uma supervalorização do outro, mas um reconhecimento. Que não uma simples repulsa a tudo que há de supérfluo na vida [quase tudo o é?], mas uma forma de (auto)evolução/avaliação. Que você não concorde também, pois é importante, mas respeite como eu respeito aquilo de oposto que tanto lhe apraz.

É bom lembrar-se, porém, de que o que o outro lhe representa pode ser justamente aquilo que você, um dia, lhe causou.

Um beijo,

com 'férias' para o espaço mudandoeuvou.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

2 medidas [II]

EU ainda quero você. Sim! Mas, olha, vamos fazer diferente agora? Entre nós não há poesia: nossa comunicação não conjuga meios-termos. Me confundo toda com pronomes quando lhe falo, por exemplo – não existe um tratamento; próclises, mesóclises e ênclises não têm relevância alguma: minha língua não precisa de regências – só da sua! Você (só) sabe a minha tecla SAP. E, ainda assim, repare, insisto: falo mil linguagens e bobagens. Deixa as minhas falas, (des)coordenadas, se subordinarem à sua boca... adjetiva restritiva reduzida infinitivamente à minha. Deixa eu te puxar pela gravata (que adoro, acetinada, sempre a combinar com a camiseta de malha, por debaixo da camisa social alinhada); deixa eu arrancar teu paletó, em advérbio de-va-gar; me vestir, depois, com ele. Não, não toque ainda em nada! Nosso gosto em língua orelha peito, só... só desse jeito. Deixa eu lhe tirar o cinto preto e, no maior clichê, bater de leve em sua face imberbe. Deixa, no teu abdômen, seco, eu beber o – derramado sem nenhum cuidado – vinho tinto que você comprou, há pouco, no mercado. Mas continue aí deitado. Sabia que o botão da sua calça está gelado? E estas meias? Ora, tire, tire-as! Você veio ao mundo, agora, (só) para mim... Shhh, não fale nada. Deixa que apenas seja a minha voz a distinguir os vocativos de você. Só não deixa, no entanto, que, de hoje em diante, eu diga ainda que TE AMO.