sábado, 14 de novembro de 2015

Fishman, uma obra-prima




"- Quando foi? - O quê? - Que você deixou de ser... a minha mãe? - Eu ainda sou. Ou não sou? - A minha mãe? - É. - É? - Eu não sei! - Não sei!  - Nem eu! - Nem eu..."

Um barco. Espécie de aquário... Do pensamento ou do tempo (há diferença?). Espécie de bolsa... Amniótica? Um lugar, afinal, em que dimensões diversas se entrecruzam. Dois homens. Homens? Peixes? Seres. Matérias espirituais (com toda a contradição que isso constitui). Presenças e ausências coexistentes. Diálogos e incomunicabilidade. Intangibilidade e contatos (de vários graus). 
O(s) universo(s) de Fishman: consagração daquilo a que chamamos Arte. Arte, porque ainda não criaram um nome - e eu não ousaria - para a maestria de uma mescla de gestos, expressões e verbos, como versos de uma poesia inefável.
Quem dera eu pudesse, pois, dizer ou escrever sobre a realidade (seria mesmo?) vivida naquela sala de teatro...

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

ao contemplar Dalí


interminável como um rio
flui de instante a outro instante
sempre, sempre e em um só sentido
e nadamos em seu mistério assonante

seu caminho previsível e consistente
é medido por nascentes e poentes
ei-lo, pois, esse processo de repetição?
nem tudo o que repete é um refrão

e se a medida oficial do mundo
cuja frequência de oscilação
dos átomos de raro césio
precisa-nos cada segundo em vão?

dentro das coisas inapreensíveis
seguirá guardado o seu portento
: indicam horas os relógios
mas nunca dizem o que é o tempo

quinta-feira, 14 de maio de 2015

palco


reencenar
a cada dia
aquilo que falhou
aquilo que foi ruim ou bom
repetir
de um jeito diferente
os erros e os acertos 
a tentativa de sair mais cedo
para o trabalho
o desejo de voltar cedo também
para a casa
a roupa gasta, mas com um sapato novo
o perfume de ontem e anteontem e antes de anteontem
sobre a pele de hoje
o penteado, a maquiagem
sobre alguma cicatriz
[ainda que indeléveis quaisquer cicatrizes]
redizer
o bom dia, o boa tarde, o boa noite, o feliz aniversário, o feliz dia das mães, dos pais, dos avós e das [crianças
refazer
aquele feijão e o arroz
sem queimar, sem salgar demais ou de menos
voltar
à mesma paisagem que compôs
aquela foto sobre a cabeceira
a paisagem, que é já outra
a companhia, que é já só lembrança
e o sorriso, que é já menos branco
reescrever
aqueles versos
outrora escritos por alguém
pois que todas as palavras não são mais que ecos
e nem mesmo o silêncio as contradiz
posto que é reprodução do mesmo cansaço à voz
reencenar, pois,
todos os dias
uma nova e mesma vida
ao inevitável e imprevisível
cerrar de suas cortinas.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

madrugada


minha noite passa
como uma vida sem estrelas
- trama sem drama -
e adormece sozinha
na cama
enquanto, à cabeceira, tremeluz
a chama
de um candelabro
feito de angústia, solidão e lágrima

quarta-feira, 1 de abril de 2015

[im]permanência

agora fica comigo
   apenas solidão
     [afora cheiros, fotografias, reticências]
       noite após noite
         me acostumo à escuridão
           silenciosa dos gestos guardados
              à medida que a saudade
                 já faz moradia
                   e não aceita companhia
                      em meu peito triste
                         pois que pouco não é
                           quando muito ainda existe


sexta-feira, 13 de março de 2015

meus [uni]versos [lit]erários





sou barroca quando fechos os olhos
ao mistério e vejo o mundo pelas mãos
no meu declínio epicurista-pagão
sou neoclássica quando me expando
e do meu corpo nascem paisagens
e sou árvores sou terra sou mar ilha
sou romântica quando meu coração e espírito
despertam o idealismo lírico e são capazes
de morrer para serem livres e, enfim, viver
sou realista quando, naturalmente, determinada
ante os fenômenos da vida, me interpreto
na ambiguidade a mais humana hipocrisia
sou parnasiana quando equilibro meus desatinos
fazendo parcos versos decassílabos
com minha racionalidade fria
sou simbolista quando, no mais intrínseco de mim,
escamoteio a realidade sã e me eviscero dos demônios
dormentes, decadentes, na degenerescência vã
sou modernista quando, enfim, desprendo-me
de quaisquer grades e sigo na univastidão
de minha idiossincrática retangularidade

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

zeus?

do caos à gaia
do tártaro escuro a urano
das ondas movidas
por tridentes de poseidon
a atlas
e seus braços másculos
titãs, de cronos
a cíclopes e hecatônquiros
de toda metafísica
da via láctea
a vida contida no invisível
dos fatos
pertence aos deuses
átomos

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

luto


nunca mais? 
o seu sorriso
a sua doçura
a sua amizade
a sua presença
a sua voz [sussurro]
ou para sempre?

a sua pequenice
d'uma alma enorme
agora dorme
mas não
dentro da gente...