terça-feira, 29 de junho de 2010

Extrav(/f)io


– Sim?
– Alô, Ana?
– Não. Você deve ter discado errado.

Clic.

– Pronto.
– Oi! Sou eu de novo. Esse telefone não é da Ana?
– Não. Como eu disse: você deve ter...
– Mas é que eu preciso muito falar com...
– Olha só...
– Fernanda!
– Quem?
– Eu, Fernanda.
– Uhum. Veja bem: aqui não é a casa da Ana; nem da Joana. Eu não conheço nenhuma Fernanda, portanto...
– Qual é o seu número?
– Número de quê?!
– Do telefone, ué!
– Bem, é esse que você discou, que, por sinal, NÃO é da Ana!
– Sim, mas eu queria confirmar o...
– Olha, eu tenho mesmo que desligar, viu?
– Não! Por favor.
(Silêncio)
– Alô? Você ainda ‘tá aí?
– ‘Tô.
– Ah, então...
– Ôôô... Fernanda. É Fernanda, né?
– Isso.
– Então, Fernanda... Na verdade, eu não gosto muito de telefone, sabe? E uso porque é uma necessidade...
– Sim, sim, é!
– ... como eu ia dizendo, é uma necessidade! E, no presente momento, estou um tanto ocupada...
– Hum. E... você ‘tá fazendo o quê? Desculpa, como é mesmo o seu nome?
– Bem, eu não lhe disse.
– É, por isso pergunto!
– Sim, mas é que eu ‘tô querendo desligar, uma vez que não tenho muito – ou nada – que lhe falar. Cê me desculpe, mas...
– Eu entendo.
– Entende?
– Entendo. Não tem por que ficar falando com uma estranha, né?
– Bem... não é isso. Mas... tenho afazeres.
– Tudo bem.
– Mesmo?
– Sim, sim, sem problemas.
– Bem, então... acho que é hora de desligar, certo?
– Certo.
– O-k!
– Ok.
– ...Você ficou tão monossilábica, de repente, Fernanda.
– Fiquei?
– Sim, viu só?
– Ah, me desculpe. É que você não tava muito afim...
– Não! Eu disse que tinha afazeres.
– É, isso mesmo. Portanto, desculpe de novo. Eu vou indo. Até mais.
– Olha! Você já pensou?
– Em quê exatamente?
– Na verdade, não haverá até mais.
– Não?
– Não. Você não ligou errado?
– Liguei.
– Então, o risco (e repare: não digo risco de forma negativa, viu?)... mas é pouco provável que você torne a me ligar. Você não acha?
– De fato.
– Pois é...
– Mas eu quis confirmar o número; foi você quem me disse que...
– É verdade, me desculpe também.
– Não há de quê.
– Não, me desculpe mesmo!
– Ok, está desculpada então.
– Fico grata.
– Bom, agora vou deixar você com seus afazeres, sim?
– Imagine, Fê. Eu posso até deixá-los para mais tarde.
– Não, não! Não se incomode comigo.
– Quê isso? Não é incômodo nenhum! Eu fui, realmente, grosseira.
– Não, você foi sincera.
– Sim, sincera, sem deixar de ser grosseira.
– Já que você insiste...
– Insisto, insisto. Então, você me perguntou o que eu estava fazendo...
– É, perguntei.
– Pois é; não estava fazendo nada, não.
– Mentira!
– Verdade! É que, ‘cê já sabe, não gosto muito de telefone...
– Uhum.
– Daí, como, a princípio, era uma ligação... extraviada, digamos...
– Sim.
– Olha, você ‘tá sendo monossilábica de-no-vo.
– Juro que não é de propósito!
– Mas ‘tá parecendo.
– Me desculpe, não é mesmo. É que preciso, realmente, falar com a Ana. E já que aí, definitivamente, não é a sua casa, eu ia confirmar o número na agenda, para...
– Sim, sim! Ah, você não quer que eu te ajude?
– É... ajudar? Em quê?
– A conseguir falar com a Ana!
– Hum... não sei bem como você poderia me ajudar com isso.
– Posso, posso! É só você me dizer o sobrenome dela. ‘Tô com o computador aqui na minha frente: posso pesquisar nas listas amarelas.
– Olha, é muita gentileza da sua parte. Muita mesmo. Mas eu tenho o número na agenda. Só preciso, de fato, confirmar...
– Ah, mas tenho certeza de que o computador seria muito mais rápido!
– Mulher de tecnologias, é?
– Pois é! Gosto desses lances pós-modernos.
– Notei, notei.
– Ah, a propósito, você perguntou meu nome! Eu me chamo...

Clic.

– Nossa! Que mal educada.

terça-feira, 22 de junho de 2010

que a razão desconhece!

não me venham com essa!
eu¹ não quero ser aquela da vida de homem algum!; eu não preciso de que homem me chame sempre de linda; eu não espero que ele diga que sou gostosa ou que o deixo louco; eu não urjo² que ele ligue todo dia ou mande dezenas de torpedos lembrando o quanto me deseja; eu não quero que ele insista em pagar a conta do motel, restaurante ou parque de diversões; eu não tô nem aí se ele faz questão de apresentar-me à família ou não; eu não espero um gentleman; não ligo se ele abre a porta do carro ou desce à minha frente numa escada, protegendo-me, caso caia; eu não quero um homem nota dez ou mil!; eu quero um homem em que queira me jogar em cima; com o qual queira ficar dentro do carro (ou ônibus ou quarto); quero um homem das cavernas, pelo qual minha temperatura alcance ebulição em 10 segundos; um homem para mostrar à minha família e a todo mundo; quero um homem por quem sinta necessidade de pagar a conta; eu quero ter a vontade de ligar para ele manhãtardenoiteemadrugada só para ouvir sua voz no ouvido; eu quero sentir o gosto dele mesmo de longe, e sorrir de gozo só de lembrar seu rosto (seja feio, bonito ou maravilhoso); o que eu quero é, pura e simplesmente, um homem por quem queira estar viva! (e, às vezes, esse não é e nem faz nada-nada disso...).


"quem sabe o príncipe virou um chato
que vive dando no meu saco
quem sabe a vida é não sonhar (...)
eu sou poeta e não aprendi a amar..."
[Cazuza; Frejat]

¹o pronome ‘eu’ fora usado como substituto do vocábulo ‘mulher’, para não haver confusões. é sempre bom! ;-)
²eu não sei se esse verbo se conjuga na 1ªp.! lalalá*


sexta-feira, 11 de junho de 2010

"Stop./ A vida parou/ ou foi o automóvel?" CDA




porque me irrita muito o falso ufanismo,

em flâmulas [verde-amarelo],

espalhado em carros varandas janelas lojinhas botecos e o cacete-a-quatro!



[e eu torço pela Itália
]

segunda-feira, 7 de junho de 2010

à margem do meio



onde não há tempo
sou eterna;
pelo pensamento,
nada é longe!
: não há espaço [à fala].

pelo que transcende
há o Amor e há o Abraço.
[e tudo é trama
e tudo é laço...]

em areias espalhara
os meus passos
– migalhas de mim –
por que me orientei...

e o que me existe
não tem fim, nunca cessa;
a palavra que [me] cala
pelo meio começa...




"Clarice diz que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,
Não tenho bons modos nem berço.
Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?"

[V. Mosé]

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Rebecca Horn - Rebelião em silêncio



Não tenho o hábito de ir a exposições acompanhada: a) porque, infelizmente, são poucas as pessoas que têm o prazer de fazê-lo; b) ou meus horários vagos não coincidem com os seus; c) e, principalmente, porque meu voto é direcionado à solidão – que deve ser compreendida como queiram.

Na passada semana, no entanto, fui ao centro da cidade reencontrar uma querida amiga (Camilinha), que não via há duzentos anos – ok, há um ano, aproximadamente; mas a saudade era bicentenária! E, aproveitando nosso ‘eclipse’, fomos ao CCBB e deparamo-nos com a transcendental exposição de Rebecca Horn.

Não sei se por pura alegria do encontro ou porque quarta-feira é um dos meus dias preferidos, mas fui espirituosamente inspirada pelo que vi(vi). A “Rebelião em silêncio” manifestou-se em mim, de tal maneira, que estive uma tagarela de primeira – o que não é meu hábito. Contraditório (?), talvez. A verdade é que, apesar do silêncio da exposição, os sons (em muitos hertz metafísicos) proporcionados pela mesma nos invadem a alma, ainda que pelos olhos...

O lúdico jogo, entre Palavra e Risco – imagens–, traçado pela artista, é algo que nos cinge de forma indescritível, porque deveras inquietante – dilema? O sensível torna-se-nos incômodo; fato, inevitavelmente, vivenciado frente aos vídeos, lá, expostos. Como, por exemplo, um no qual aparece uma mulher usando uma máscara (a la Hannibal!) ornada de vários lápis; e tudo que ela faz é girar a cabeça, de um lado a outro, sobre uma parede, riscando-a, riscando-a, riscando-a... quase infinitamente! (E porque música é arte, pensei em Spandau Ballet: “This is the sound of my soul...”)

Percebi que poucas pessoas permaneciam por mais de 2 minutos nas salas de vídeos. Quando fui pela segunda vez (ah, confesso que precisava ir sozinha! rs), assisti a um filme por uns 40 minutos, e nunca acabava também! Mas tudo que consegui captar, ali dentro, além da primeira vez – quando cheguei, por exemplo, à conclusão (genial, modestamente!) de que um pênis ao telefone tinha, sim, sentido: podia-se entender como “falo ao telefone” – era muito pouco em relação ao que me despertou a ver do lado de fora:

Uma rebelião silenciosa gritava em todos os cantos. E eu era só mais uma alma, perdida entre o gregário e solitário desenho de (vi)ver – um enorme risco na superfície da vida.



*Uma lástima não poder mostrar fotos (no Google tem bastantes); mas ainda vou tirar umas na ‘clandestinidade’. ^^