segunda-feira, 4 de abril de 2011

Geometria de amor




Tenho um amor

que, de tão fresco, apanha

hieróglifos de vento

e sopra, em bocas

de suspiros simultâneos de segredos

partilhados, mil sorrisos;


tenho um amor

de vidro opaco, desfazendo-se

[partido] há tantos

anos panos planos

[corroídos];


tenho um amor ensanguentado:

drenado, drácula, dramático

- um fino fio desatado

em gotas álgidas de vida;


tenho um amor

de carne e osso, e ombros prestes,

que nem um delicado algodoal

ousara ser;

que a mim, de mim, não pede nada

apenas é;


tenho um amor

asas de beija-flor, entre a véspera e a saudade;



tenho um amor

célula-tronco - de umbigo

seco, brotando em uma gaveta;


tenho um amor

sessão da tarde; escapulido

num bocejo que um trem

das cinco; um barco para algures

deportou;


tenho um amor

casquinha seca de ferida

em meu joelho de menina;


tenho um amor

anúncio de jornal barato!

[PÁGINA INTEIRA];


tenho um amor

de porcelana, pólen à brisa,

recém-nascido,

pétala de apenas bem-me-quer;


tenho um amor

que não se explica

- tal [dis]léxico;


tenho um amor

assim, que nunca conheci,

entanto sempre houve em mim.


Amor dodecaedro

"pr'além de toda matéria esparsa em números".¹




¹verso de Drummond [adaptado] - poema 'Escada'.