
Às vezes sou plena poesia.
Poemo-me inteira: frente e verso.
Corpo que não esvazia
Palavra que, porém, transborda em si
Com toda a autonomia.
E não diz nunca porque quero!
Nem tampouco porque sinto
Ou porque vejo ou porque minto...
Perde-se por trás dos olhos
Sob os óculos escuros;
Pelas ruas que se movem
Sob os passos sem cadência;
Pelas máquinas famintas
Sob fulcrais barulhos;
Pela onomatopéia dos relógios;
Pelo vôo silencioso d’um mosquito;
Pelas asas de um avião caído;
Pela falta de um ente,
Sob os pés, adormecido;
Pela conta já vencida e ‘inda não paga;
Pelo morador de rua invisível
Sob as fossas faciais da sociedade;
Pelo lixo exagerado
Do consumo insustentável;
Pelas pedras polidas ou pelas pedras brutas;
Pelos pés dos manequins
Tão distintos dos nossos;
Pelo gato no telhado
Sob a lua mais altiva;
Pela sedução do mar
No abismo do horizonte;
Pelo jogo, pelo amor
Ambos já tão perdidos;
Pela estrela, que ilumina
O breu de nossos destinos;
Pela vida, pela rima
Pela ausência que acompanha;
Pela coisa, pela dúvida
Pela reticência aguda;
Pelo eu, pelos loucos, pelos poucos
Sob a imensurável vastidão dos muitos.