
Tenho um amor
que, de tão fresco, apanha
hieróglifos de vento
e sopra, em bocas
de suspiros simultâneos de segredos
partilhados, mil sorrisos;
tenho um amor
de vidro opaco, desfazendo-se
[partido] há tantos
anos panos planos
[corroídos];
tenho um amor ensanguentado:
drenado, drácula, dramático
- um fino fio desatado
em gotas álgidas de vida;
tenho um amor
de carne e osso, e ombros prestes,
que nem um delicado algodoal
ousara ser;
que a mim, de mim, não pede nada
apenas é;
tenho um amor
asas de beija-flor, entre a véspera e a saudade;
tenho um amor
célula-tronco - de umbigo
seco, brotando em uma gaveta;
tenho um amor
sessão da tarde; escapulido
num bocejo que um trem
das cinco; um barco para algures
deportou;
tenho um amor
casquinha seca de ferida
em meu joelho de menina;
tenho um amor
anúncio de jornal barato!
[PÁGINA INTEIRA];
tenho um amor
de porcelana, pólen à brisa,
recém-nascido,
pétala de apenas bem-me-quer;
tenho um amor
que não se explica
- tal [dis]léxico;
tenho um amor
assim, que nunca conheci,
entanto sempre houve em mim.
Amor dodecaedro
"pr'além de toda matéria esparsa em números".¹
¹verso de Drummond [adaptado] - poema 'Escada'.