sábado, 20 de março de 2010

(v)entre (d)a noite: (br)eu




[...]


ao passo que durmo
- o sono do corpo -
sou tudo o que não sou:
o ser que me é
acorda toda vez em que 'inda há
sonho
[: nosso desencontrado
encontro]


e a cada sonho
novo
movo-me no vértice
do dia
- acossada alquimia -
; naquele me renovo.
sou, porém, gema da noite
no frio ovo da vida.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Comentando o "Mago"



"Eva deu um passo em frente. Detém-te, disse o querubim, Terás de matar-me, não me deterei, e deu outro passo, ficarás aqui a guardar um pomar de fruta apodrecida que a ninguém apetecerá, (...) estamos no meio de um deserto que não conhecemos, (...) onde durante estes dias não passou uma alma viva, dormimos num buraco, comemos ervas, como o senhor prometeu, e temos diarreias, Diarreias, que é isso, perguntou o querubim, Também se lhes pode chamar caganeiras, o vocabulário que o senhor ensinou dá para tudo, ter diarreia, ou caganeira, se gostares mais desta palavra, significa que não consegues reter a merda que levas dentro de ti, Não sei o que isso é, Vantagem de ser anjo, disse eva, e sorriu."

SARAMAGO, José. Caim. SP: Cia das Letras, 2009. p.24-5

Não é novidade que José Saramago, com seus temas sempre tão - maravilhosa e diversamente - políticos e mais uma gama de características e qualidades literárias peculiares, é um dos maiores escritores de Língua Portuguesa; ainda vivo!

Foi com "As Intermitências da Morte" que dei meu primeiro mergulho para a vida pós-saramago. É fato que tive o grato conselho de uma maisquequerida amiga, quando me preparava para tal: "Olha, esse 'maluco' desconhece travessão parágrafo dois pontos e qualquer sinal (usual) indicativo de discurso direto em seus livros. Portanto, vá com calma! Ou quererá matar-se (ou matá-lo, literariamente) tão logo em suas primas páginas!" (Foi mais ou menos isso. rs). Conselho a que chamei grato, uma vez que seria enorme surpresa (para uma, à época, iniciante de um curso de Letras; à qual, talvez, poderia ter causado certa repugna (ou trauma) para com o, então ignoto, escritor), mas que a tornou, há pouco mais de 3 anos, sua embasbacada e intrépida leitora. E foi a partir disto ("Todos os nomes", "Ensaio sobre a lucidez", " = cegueira", "História do cerco de Lisboa" e, atualmente, "Caim") que fiz botes, dos mais agradáveis, as supremas vírgulas saramaguianas (ou como queiram) com que deslizo, hoje, deleitosa, por aquelas linhas-correnteza.

(...)

Queria compartilhar centenas de trechos dele, aqui, mas o bom senso compeliu-me a evitá-lo e deixei, tão somente, um, que ratificasse a minha imensurável loucura por este escritor cuja literatura - em seu discurso, mais do que em seus enredos, ouso - faz-me crer que Gênio não é aquele que apresenta suas ideias à nossa (mera) realidade, mas o que nos conduz a esta, através daquelas, e a transforma.
É como vejo a língua-saramago.

*obrigada, amiga maisquequerida, Ju, por 'Caim' também! (L) =)