quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Consciência (d)e Cor(po) afrodescendente


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Tal qual Machado de Assis (sempre tão ilustre) delata em seu conto Pai contra Mãe, afirmando que “(...) a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel”, assim o fizera a corte (o krátos).

Enquanto sinhazinhas, hierarquicamente, belas e castas eram protegidas em suas alcovas imaculadas, nhonhôs manifestavam livremente sua libido sobre as negras (e também negros, quem o dirá?). Essa licenciosidade era abstida sobre as brancas, pois elas eram reservadas à reprodução, como também – escusando a ironia – à punição das escravas, que “se deitavam” com seus maridos, ora.

Os status foram, desse modo, se delineando ao longo dos anos e o ideário de dominação-subordinação alicerçou a problemática das subjetividades femininas. Tal ambivalência trouxe-nos, mais tarde - quando a colônia foi-se tornando uma nação - um grande obstáculo no caminho do reconhecimento legal de uma heterogeneidade étnica, sem o privilégio ou a predominância branca. 

Ao refletirmos acerca disso, podemos concluir que, através do esforço por essa assunção das miscigenações, o preconceito contra pobres se materializou sobre os negros (e negras), em forma de rebaixamento social, uma vez que sua origem era assimilada por uma visão eurocêntrica – afinal, o negro trazia na pele o “gene inferior”; que, contudo, sobrevivia a todo padecimento e que devia incorporar os hábitos e língua não-familiares, por bem ou mal, enfim. O término da escravidão representou, então, uma preocupação elitista; nesse sentido, a assimilação do conceito de igualdade foi – e ainda é – um processo lento e custoso.

Apesar de, é inegável que reconhecimentos importantes foram conquistados; que nossa evolução ontogênica continua em ascendência, o que, de fato, se deve muito mais a experiências nas buscas por novas posições hierárquicas na pirâmide da vida (social), do que à permissão dada para isso. 

(...)

A queda dos estereótipos não é algo totalmente efetivado, todavia as condições formam, hoje, um novo cenário público no país. A própria assunção do Governo no que tange à tentativa de nos compensar os danos causados pelo legado escravocrata; a implementação de estudos de origem africana nas escolas e universidades que se faz presente; a fomentação das indústrias no mercado de cosméticos voltados à mulher negra, em variedades de oferta; a exploração da beleza dessa mulher, nas telas de cinema, TV e outdoors; a valorização da “afroarte” – tanto no aspecto musical (em que se destacam nomes como Sandra de Sá, Paula Lima, Elza Soares), quanto no literário (como Elisa Lucinda, Conceição Evaristo) etc.

Tudo isso se apresenta na cultura nacional como elementos de nossa inserção em outro tipo de memória do país, agora, um pouco além de personagens como Bertoleza (a submissa) e Rita Baiana (a sensual) d’O Cortiço, de Aluísio Azevedo.

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Ficam as esperanças de que a construção de uma unidade e consciência (para além de todos os 20 de novembro)  represente a prosperidade de uma nação - mundo! - sem ambiguidades sociais ou raciais e a de que a dignidade nos vista e proteja, em nossa imensa finitude coletiva e humana.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Mississipi em alto-mar

Não era sonho
Era realidade americana:
Sequestrado o Capitão Phillips,
Do imenso Maersk Alabama,
Por uma quadra de piratas somalis.
"We're just fishermen..."
Dizia em parco english
Armado e, a olhos visto, esfomeado
O novo capitão
Da naviarra - não negreira?

Vinham pescar sobrevivência.
Havia metas além-mar
Havia terra e miséria
Em alto mar, nos pés descalços
E enruçados.
Mas haveria esquadrões
Força-tarefa
Supremacia técnica, genuinamente
Estadunidenses.

Mortes insignificantes...
O heroísmo e o vilanismo
Como água e sal.
E não se saberá jamais
Das lágrimas
Sem peixe para se temperar...

Cena de "Capitão Phillips" (2013).